"Bairro das Cruzes" | Review
Bairro das Cruzes, da escritora Susana Amaro Velho, conta-nos a história da Luísa. E da Rosa. E das cruzes que ambas carregam desde a sua infância e que condicionam as suas escolhas. Caminhos que se seguem e outros que se evitam. O Bairro das Cruzes mistura comunistas e PIDE e sobrevive às cheias de Lisboa. Carrega um fardo pesado e agarra à terra aqueles que lá nasceram. Numa história que poderia ser a de qualquer pessoa, conhecemos a forma como as raízes, a família e os laços que criamos na infância podem influenciar-nos para sempre. Passada no Portugal do fim dos anos 60 e anos 70, esta história leva-nos ao tempo dos nossos avós e conta-nos como viviam as gentes naquela altura.
A primeira vez que ouvi falar deste livro foi já há alguns anos, num blogue que seguia (não me lembro qual, mas sei que foi nos blogues que ouvi alguém falar deste livro pela primeira vez). Ficou-me a curiosidade, mas fui adiando a leitura porque surgiam sempre outros livros para ler. Depois, descobri que tinha sido reeditado, adicionei-o à minha wishlist e, pouco tempo depois, veio parar à estante cá de casa. Soube desde logo que não ia ficar lá parado muito tempo, porque havia uma vontade grande de o ler - talvez porque 2024 esteja a ser um ano em que estou a ler muitos autores portugueses e a descobrir como é incrível aquilo que se faz também por cá.
Confesso que comecei devagarinho e demorei a entrar na história, o que me deixou um bocadinho com medo de ter expetativas demasiado altas e irem acabar defraudadas. Contudo, quanto mais páginas ia avançando, mais me ia sentindo envolvida por aquela "magia" do Bairro das Cruzes, pelo magnetismo que exerce nos seus habitantes e, aparentemente, também nos leitores. Fui sendo cativada pelas personagens - tão banais que podiam ser os nossos avós ou pais, mas tão especiais que é difícil não nos deixarmos levar - e pelo contexto histórico e social.
Gosto muito de ler sobre a vida pré e pós-25 de abril, já o disse algumas vezes aqui, por ser uma época em que não vivi, mas que não é tão longínqua assim. Neste livro, é engraçado vermos como, apesar de Mafra não ser tão longe assim de Lisboa, aquele bairro parecer viver num ritmo diferente, quase como se estivesse meio alheado da realidade, embora, no fundo, fervilhasse dentro das casas (de algumas, pelo menos) o espírito da revolução. Foi giro ver como tudo aquilo se viveu num bairro deslocado do centro da ação, mas em que as personagens acabam por estar envolvidas nela, de alguma forma.
A Luísa e a Rosa são as duas "estrelas" do livro, é à volta delas que tudo gira, mas eu diria que a personagem principal é mesmo a relação amor-ódio entre ambas, aquilo de que tentam fugir durante a sua vida toda sem conseguirem - e só no fim percebemos porquê. A dicotomia entre ambas é engraçada de se assistir e provocou-me muitos sentimentos divergentes. Por um lado, odeio a Rosa, porque é uma personagem que fez muitas coisas más e que percebemos que tem um fundo de maldade, mas há momentos em que é difícil odiá-la, porque não só sabemos que é fruto das circunstâncias em que cresceu, como conseguimos perceber que ainda tem um coração que tenta fazer algo de bem ou remediar alguns dos erros que cometeu. Já a Luísa parece ter vindo ao mundo para sofrer, mas nunca desiste e luta sempre para vencer os obstáculos que se cruzam no seu caminho e ultrapassar as contrariedades da vida, em busca de um futuro melhor e mais feliz.
Este livro fez-me rir e chorar, impactou-me verdadeiramente e sinto que estas vidas não sairão da minha cabeça durante algum tempo. Fiquei com muita vontade de ler mais da Susana Amaro Velho (e vai acontecer, eventualmente) e, também pela sua escrita bonita e simples, recomendo muito a leitura deste livro. Acho que exige alguma maturidade para o poder ler, mas recomendo a toda a gente!
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