"Ensaio sobre a Lucidez" | Review

novembro 13, 2020

Em setembro, li o Ensaio Sobre a Cegueira e partilhei convosco aqui a minha opiniĆ£o. Depois, decidi que tinha de fazer uma pausa para ler algo mais soft no entretanto, por isso fui reler Harry Potter e a CĆ¢mara dos Segredos, antes de me aventurar pelo Ensaio Sobre a Lucidez. Confesso que demorei mais tempo a ler do que o que queria, porque entretanto comeƧaram as aulas e com elas o meu tempo livre (e disposição) diminuiu. Contudo, a cada pĆ”gina que ia passando, eu ia ficando mais e mais curiosa, ia-me embrenhando mais e mais no livro e ia gostando cada vez mais.


Eu sabia que, nĆ£o sendo propriamente uma sequela do Ensaio sobre a Cegueira, os dois livros estavam ligados e as suas histórias acabariam, de certo modo, por se fundir, e talvez por isso eu tenha comeƧado a ler o Ensaio Sobre a Lucidez com as expetativas bem lĆ” em cima. Tinha adorado o outro, foi um livro chocante (no bom sentido) e isso fez com que as minhas expetativas fossem muito, muito altas. No inĆ­cio, confesso que me desiludi um pouco, porque este segundo livro nĆ£o estava a ser exatamente aquilo que eu tinha imaginado. Contudo, Ć© um livro de Saramago e eu sei que os seus livros tĆŖm sempre truques na manga que nos vĆ£o surpreendendo, por isso fui continuando a ler e comecei a gostar mais e mais do livro. Agora que o terminei, nĆ£o consigo dizer de qual dos dois gostei mais. Acho que sĆ£o a combinação perfeita!




Ensaio sobre a Lucidez, no Nobel da Literatura português, José Saramago, conta-nos a história de um país e de uma cidade, dos quais não sabemos o nome, no qual decorre um ato eleitoral. No final das contagens dos votos, verifica-se que 70% dos eleitores votou em branco. Perante tal anormalidade do ato eleitoral, as eleições são repetidas no domingo seguinte, obtendo-se uma taxa de votos brancos ainda maior, cerca de 80%.

Em vez de os governantes se reunirem para perceber quais os motivos por que a população decidiu votar em branco, agem de forma desconfiada e decidem desencadear uma operação policial para descobrir qual o foco que estĆ” a originar aquela onda de votos em branco, assumindo diversas possibilidades para a origem dessa onda. Ɖ deste modo que se desencadeia um processo de rutura entre o poder polĆ­tico e o povo, chegando mesmo o governo a deixar a cidade e a implantar "estado de sĆ­tio".

Apesar de Saramago nos retratar um cenĆ”rio que parece utópico, as mensagens e as crĆ­ticas subjacentes que ele nos deixa, que sĆ£o tĆ£o tĆ­picas da sua escrita, sĆ£o bastante atuais. Vemos um governo que nĆ£o consegue perceber que a origem dos votos em branco Ć© o descontentamento da população para com os partidos e o regime. Vemos um governo que, ao invĆ©s de proteger e defender o seu povo, se vira contra ele, o acusa, o persegue e afronta. Vemos uma sociedade que Ć© totalmente negligenciada pelo seu governo, que usa todos os meios ao seu dispor para obter os fins que deseja, sem ter em conta as consequĆŖncias e os danos colaterais. 


Embora, na minha opinião, um pouco menos chocante e agressivo que o Ensaio Sobre a Lucidez, este é um livro que também mexe com os nossos princípios, crenças e valores, que nos faz imaginar-nos naquele cenÔrio e pensar como algo assim poderia ser real. Mais uma vez, Saramago faz as suas críticas mordazes de forma assertiva e, ao mesmo tempo, subtil e deixa para nós a reflexão - uma característica que, na minha opinião, enaltece o seu brilhantismo.


Ɖ um livro que nĆ£o acaba bem (desculpem o spoiler), que nos deixa um nó no estĆ“mago e muitas perguntas na cabeƧa. Mais uma vez, Saramago tem este dom mĆ”gico de mexer com a nossa cabeƧa, com o nosso coração, com as nossas emoƧƵes... Mexe um bocadinho em tudo aquilo que existe dentro de nós e consegue realmente mudar a nossa perspetiva sobre as coisas. Para mim, esta Ć© uma caracterĆ­stica fundamental de qualquer bom livro: ter o poder de marcar, de mudar algo dentro de nós, de se distinguir.


No post dos Favoritos de Outubro, deixei-vos uma citação deste livro que adorei e, a acrescentar a essa, termino este post com uma outra citação que, de alguma forma, tĆ£o bem resume alguns dos momentos mais importantes deste livro:


Nascemos, e nesse momento Ʃ como se tivƩssemos firmado um pacto para toda a vida, mas o dia pode chegar em que nos perguntemos, Quem assinou isto por mim.(JosƩ Saramago, Ensaio Sobre a Lucidez)





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