"Ensaio Sobre a Cegueira" | Review

setembro 24, 2020

Todos nós temos aqueles livros que queremos muito ler e que dizemos "ai, este é o próximo", mas vai-se a ver e adiamos, adiamos e adiamos a leitura. Bem, isso foi o que me aconteceu com este livro. Há muito, muito tempo que andava a dizer que queria muito ler, sobretudo por causa do bom feedback que tinha de quem já o tinha lido, mas acabava sempre por ter outros livros para ler que punha à frente. Inclusivamente, era para o ter lido lá para março ou abril, porque foi numa altura em que não sabia o que ler a seguir, mas alguém, sabiamente, me avisou que aquele talvez não fosse o livro mais apropriado para a minha saúde mental para ler durante uma quarentena (obrigada pelo aviso, M.). Eis que chega o momento em que esgotei os livros por ler da minha prateleira e tive de ir vasculhar a da minha irmã. Então, eu decidi que era agora que ia ler o Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago.


Ensaio Sobre a Cegueira é um romance escrito pelo Nobel da Literatura português, José Saramago, que conta a situação de uma cidade (e, no fundo, um Portugal) assolado por uma epidemia de cegueira branca que causa um total colapso da sociedade e um caos generalizado. Esta cegueira começa com um homem que, de um momento para o outro, passa a ver tudo branco, quando estava parado num semáforo, e rapidamente se alastra como se de um rastilho de pólvora se tratasse.


Neste livro, encontramos personagens acerca das quais nunca lhes conhecemos os nomes. Encontramos um mundo virado do avesso. Não há um tempo definido - pode ser no passado, no presente, no futuro (o que o torna tão e sempre atual). Nas páginas do Ensaio, encontramos a humanidade despida e vulnerável e somos confrontados com a forma como, tão rapidamente, nos podemos tornar autênticos animais que fazem tudo aquilo que estiver ao seu alcance para sobreviver. 


Não é um livro leve, muito pelo contrário. É chocante, é violento, é cru. Chega a ser assustador (sobretudo, tendo em conta que estamos a viver uma pandemia global). É um livro que nos faz arrepiar, que nos faz sentir nojo e repulsa. A descrição tão bem detalhada da escrita de Saramago permite-nos imaginar determinadas cenas na nossa cabeça, com todo o pormenor, tornando a história mais realista e ainda mais impactante. É tudo menos uma leitura leve, mas leva-nos a questionar coisas muito importantes. Sobre a integridade e a dignidade humana, sobre o nosso instinto de sobrevivência, sobre os valores de cada pessoa, sobre as crenças, sobre amizade, companheirismo e lealdade... Leva-nos a questionar a existência do próprio ser humano, a nossa sociedade, o mundo em que vivemos. 


Não foi uma leitura fácil - não pela escrita de Saramago (que nunca achei particularmente difícil e à qual já estou habituada), mas porque há coisas que custam a digerir e que nos criam um nó na garganta e no estômago. É justamente por isto, pelo impacto que este livro causa, que o Ensaio Sobre a Cegueira entra diretamente para o primeiro lugar dos meus livros favoritos de Saramago - empatado com O Ano da Morte de Ricardo Reis, que terá sempre um lugar especial no meu coração.


Para terminar este post e porque não há palavras que façam verdadeiramente jus ao brilhantismo de José Saramago senão as do próprio, aqui termino com uma das minhas citações favoritas do livro:


Se não formos capazes de viver inteiramente como pessoas, ao menos que façamos tudo para não viver inteiramente como animais. (José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira)



3 comentários:

  1. Olá Inês. Gostei muito de ler a tua review sobre este livro. Admito que não sou grande apreciadora de José Saramago, nunca tive um enorme interesse em ler algo dele, até porque as leituras não são fáceis, como referiste. No entanto, após ler a tua opinião, fiquei curiosa e quem sabe se um dia não me vem parar às mãos!
    Um beijinho, Ana Rita*

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    1. Um dia destes, dá-lhe uma oportunidade! Ahahahah!
      Muito obrigada, Ana Rita. Beijinhos

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  2. Eu adoro as obras de José Saramago, nunca fui muito apreciadora dos escritores que recomendavam em épocas de escola, Saramago foi o único que me ficou no coração, não conhecia este seu livro, adorei a recomendação.
    Beijinhos.
    https://ablondiehere.blogspot.com/

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