"O Bloco das Crianças de Auschwitz" | Review

junho 27, 2020

A quarentena fez-me acelerar um pouco o ritmo de leitura, porque passei a estar mais tempo em casa e, assim, a aproveitar todos os momentos livres para ler. Contudo, a chegada das avaliações e o facto de o semestre ter começado a "apertar", fez com que eu tivesse de diminuir um pouco o ritmo e demorei algum tempo a ler o livro que hoje aqui vos trago. Além da minha falta de tempo, sinto que também não é um livro de leitura fácil, não só pela temática que aborda, mas também pelo facto de os capítulos serem grandes (e subdivididos em diversas partes). 


O Bloco das Crianças de Auschwitz é um romance autobiográfico sobre o bloco das crianças de Auschwitz-Birkenau, escrito por um sobrevivente do Holocausto, Otto B. Kraus, editado em 2019. Este romance fala-nos sobre um grupo de pessoas que se conhecem no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, em especial de Alex Ehren, um poeta e também professor no bloco das crianças, onde dá aulas ilegalmente às crianças do seu grupo. É a partir desta personagem que Otto B. Kraus nos conta a história de várias centenas de crianças judias que viveram no campo de Auschwitzz-Birkenau entre 1943 e 1944

"Dormíamos num beliche para quatro pessoas mas, em alturas de sobrelotação, éramos sete e por vezes oito de cada vez. Havia tão pouco espaço que, quando um de nós precisava de aliviar a pressão no corpo, tínhamos todos de nos virar num emaranhado de pernas, peitos e barrigas ocas como se fôssemos uma criatura com vários membros, um deus hindu ou uma centopeia. Desenvolvemos uma relação de intimidade, não só física, mas também mental porque sabíamos que, embora não tivéssemos saído todos do mesmo útero, iríamos certamente morrer juntos."



Este é um livro que me fez pensar muito sobre vida, no geral. Mas, sobretudo, sobre quão sortuda sou por ter nascido onde nasci e na época em que nasci. Houve milhares de crianças que nunca chegaram à minha idade porque um maluco megalómano (e todos aqueles que acreditavam nele cegamente) decidiu que os judeus eram uma raça inferior que devia ser exterminada. Escrever isto só me faz repugnar ainda mais tudo o que aconteceu no Holocausto e torna-se cada vez mais absurdo. 

Nas várias personagens que vamos conhecendo, encontramos formas muito diferentes de encarar a vida e as condições desumanas em que milhares de pessoas viviam, nos campos de concentração. Existem aquelas, como Alex, que se sentem completamente injustiçadas, que sentem que a vida acabou, que tentam sobreviver a cada dia, agarrando-se à pequena luz de que talvez todos juntos se possam revoltar contra os alemães. Depois existem aqueles, como Lisa, que preferem viver na ingenuidade e na inocência de viver um dia de cada vez, viver o presente sem pensar no amanhã. Existem ainda os que acreditam que tudo há de acabar em bem e que hão de conseguir, no fim da guerra, ir viver para a Palestina ou aqueles que se agarram à fé na esperança de que isso os salve. Todas visões diferentes de pessoas que não têm culpa de terem nascido no seio de famílias judias e que apenas procuram uma justificação ou uma explicação ou mesmo uma escapatória para o sofrimento em que vivem.

Foram todas estas pessoas que, mesmo vivendo em condições desumanas, sem terem uma refeição decente por dia, se uniram para tornar o Bloco das Crianças num sítio de paz, onde aquelas crianças encontrassem uma fuga à sua realidade e pudessem aprender e ser felizes. E parece quase impossível que num local tão horrível como um campo de concentração possam haver crianças felizes, mas este livro faz-nos perceber que a felicidade se consegue com pouco. Por vezes, basta termos alguém a olhar por nós, a tomar conta de nós, a querer ensinar-nos algo e a distrair-nos da violência do mundo fora das quatro paredes para encontrarmos uma bolha de felicidade. Todas aquelas crianças sobreviveram durante meses e meses com pouquíssima comida e condições de higiene deploráveis graças a um grupo de pessoas generosas que lhes quiseram dar uma oportunidade de ser crianças e de viver algumas das coisas que ainda não tinham podido viver. Foi naquele bloco que conseguiram conhecer um pouco de uma realidade que, algumas delas, nem nunca tinham vivido e que conseguiram aprender um pouco daquilo que os professores e monitores tinham para lhes ensinar, animando algumas tardes com teatros e concursos de poesia. 



Para mim, a grande mensagem deste livro está aí: na capacidade de resiliência e, acima de tudo, na compaixão; entender que, mesmo no meio do caos, nós podemos criar uma centelha de luz e esperança, nem que esta dure apenas algumas horas. Se, no meio daquele antro de violência, aquelas pessoas conseguiram criar um pedaço de céu na terra, porque haveríamos nós de não o conseguir também?

Que este tipo de livros sirvam para nos relembrar todos os dias que precisamos de lutar por um mundo livre, onde haja justiça e igualmente. Porque pessoas como Hitler continuam a andar por aí e todos nós já ouvimos falar de algumas delas.






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