"Esquecidos em Abril" | Review

abril 25, 2024

Não se preocupem com o lugar onde sepultar o meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que eu ajudei a construir. - Salgueiro Maia


Celebram-se hoje 50 anos da Revolução dos Cravos, do 25 de abril de 1974, que nos deu uma das coisas mais importantes de sempre: a liberdade. Somos livres porque, há 50 anos, houve homens e mulheres que puseram a sua vida em risco para que pudéssemos ter uma vida melhor. Contudo, parece que há quem se esqueça disso e, cada vez mais, assistimos a discursos de ódio e ao crescimento da extrema-direita, um pouco por toda a direita, incluindo o nosso próprio país - por isso me pareceu tão apropriado usar esta frase de um Capitão de Abril para iniciar este post, para que todos nos lembremos de estar atentos àqueles que querem destruir a liberdade que demorámos tanto a conquistar.


Sou de uma geração que não viveu em ditadura, que sempre teve a liberdade como "garantida" e, em breve, serão cada vez menos as gerações que viveram o 25 de abril e que se recordam da vida antes do mesmo e daquela altura atribulada do nosso país. Por isso mesmo, acho cada vez mais importante que a minha geração e as seguintes se informem sobre o que aconteceu, conheçam a história tal como ela é, mesmo as partes menos bonitas, para que possamos continuar a passar a informação aos nossos filhos e netos, para que continuemos a valorizar a liberdade, porque houve tempos em que vivemos sem ela e porque as ameaças à liberdade nos nossos dias são cada vez maiores.


Como forma de aprender mais e de celebrar este 50ºaniversário da famosa Revolução dos Cravos, decidi ler um livro sobre o tema e o escolhido foi Esquecidos em Abril - Os Mortos da Revolução Sem Sangue, do jornalista Fábio Monteiro.



Na escola, nos filmes e documentários, nas notícias, nos discursos políticos por ocasião das celebrações, sempre ouvimos falar do 25 de abril como a "revolução sem sangue" e enaltecemos essa conquista inacreditável e provavelmente única na história mundial. Contudo, a verdade não é exatamente essa. A 25 de abril de 1974, quatro civis e um funcionário da PIDE morreram na rua António Maria Cardoso e, no dia seguinte, um agente da PSP foi assassinado no Largo de Camões. Os seus nomes: João Guilherme de Rego Arruda, José James Harteley Barreto, Fernando Luís Barreiro dos Reis, Fernando Carvalho Giesteira, António Lage e Manuel Cândido Martins Costa. Seis nomes sem biografia, encontrados ao virar de uma página, são como seis cadáveres desconhecidos. Objetos de curiosidade mórbida e de indignação momentânea, que depressa acabam esquecidos. Esta investigação jornalística dá corpo à memória dos mortes durante o golpe de Estado, expondo o mito da Revolução Sem Sangue, que habita grande parte da consicência coletiva nacional. Nem todo o encarnado do dia inicial inteiro e limpo pertenceu aos cravos nos canos das espingardas. (adaptado de Wook)


Este livro chamou-me à atenção assim que me cruzei com ele justamente por nunca ter ouvido falar destas seis mortes e nunca ter ouvido nenhum destes nomes - essa parte não consta dos livros de História que são usados nas escolas. Eu sei que seis mortos numa revolução é um valor irrisório e continua a ser um grande feito que tenham existido tão poucas vítimas mortais, mas acho que cada uma daquelas pessoas (e as suas famílias) mereciam um bocadinho mais de reconhecimento, consideração e respeito.



As referências a estes nomes são pouquíssimas, muitas delas com erros, incluindo uma placa existente em Lisboa com quatro dos seis nomes, alguns deles mal escritos. Para nós, são só nomes, mas para aquelas famílias são filhos, maridos, avós, tios, que perderam e que não têm se quer o mínimo reconhecimento por aquilo que fizeram. Para mim, foi verdadeiramente triste ler algumas das histórias e dei por mim várias vezes de lágrimas nos olhos ao ler os relatos dos acontecimentos e ao conhecer um pouco das histórias de vida daquelas pessoas. Gostei muito das reflexões que o autor foi fazendo sobre a revolução e sobre a forma como é encarada atualmente.


Acho que é um daqueles livros que toda a gente devia ler, para conhecer um bocadinho melhor a história do nosso país e para, de certa forma, poder honrar cada uma daquelas seis pessoas que perderam a vida a lutar por um país livre no qual nunca chegaram a viver. Que nos possamos lembrar deles sempre que sentirmos a liberdade ser ameaçada, para que nos lembremos que houve quem morresse sem a poder conhecer.

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