Ressaca Literária | "Isto Acaba Aqui" - Review

agosto 13, 2020

Há uns tempos li uma frase que se encaixa perfeitamente na mensagem que hoje vos quero transmitir e, por isso mesmo, é com ela que inicio esta publicação:



Para mim, o propósito da cultura (sejam livros, filmes, séries...) é mudar mentes, despertar emoções e sentimentos, suscitar reflexões. Se não nos afeta minimamente, então não está a cumprir o seu papel. Para mim, por exemplo, não me faz sentido que um livro não me faça sentir nada em relação às personagens ou à sua história. Tem de me tocar, tem de me fazer sentir alguma coisa. 

Sou 100% sincera convosco: já li livros que não gostei, que não me fizeram sentir nada, mas que li até ao fim por mera teimosia. Mas, quando acabei esses livros, não senti nada. Contudo, há alguns que me fizeram passar por uma verdadeira ressaca literária - eu fiquei tão embrenhada na história daquele livro, entrei tanto dentro dela, que quando termina, após todas as emoções, parece que fico meio vazia. Acho que, por momentos, até acredito que não vou encontrar outro livro que me faça voltar a sentir assim. Quando isso acontece, prefiro parar de ler por uns dias ou por tanto tempo quando o que necessitar até sentir que sou capaz de pegar num novo livro e começar uma nova história.

Acho que o primeiro livro que realmente me fez "ressacar" foi um livro que li no verão passado - Isto Acaba Aqui, da Colleen Hoover. Já tinha lido bastante gente a escrever sobre ele e tudo o que eu tinha lido eram críticas positivas, mas nenhuma delas me preparou para a montanha russa de emoções em que aquele livro que me ia levar. 



(peço desculpa se daqui em diante houver algum spoiler)

Isto Acaba Aqui conta-nos a história de Lily Bloom, uma mulher de 25 anos acabada de se mudar para Boston e pronta para começar uma nova vida e encontrar a sua felicidade. Depois de um dia complicado, Lily refugia-se no terraço no cimo de um prédio para pôr as ideias em ordem e acaba por conhecer o homem dos seus sonhos - um bonito neurocirurgião, inteligente, perfeito -, Ryle. O destino parece estar, finalmente, a conspirar a favor dela. Contudo, Ryle tem um passado conturbado que mantém para si e existe dentro dele um turbilhão que recorda Lily do seu próprio pai e das coisas que fazia à sua mãe, mascaradas de amor e seguidas de pedidos de desculpa.

Na primeira parte do livro, vamos conhecendo Lily e vamos também conhecendo Ryle, ao mesmo tempo em que ela o vai conhecendo e desvendando mais sobre si. Na verdade, acho que me fui apaixonando também por Ryle, tal como a personagem principal o fez, porque ele parece o sonho de qualquer mulher. Contudo, à medida que a relação dos dois vai progredindo, a Lily (e nós que a acompanhamos como se nós próprios fôssemos a personagem) vamos conhecendo Ryle com maior profundidade e vamos vivendo os dilemas de Lily. Desde as primeiras páginas da história que eu sinto que me fundi com a personagem principal e passei a sentir tudo tal e qual como ela sentiu, pensando como ela pensava e vivendo aquilo que ela vivia - numa simbiose perfeita.

E é agora que entra o grande spoiler, aquilo que fez o meu coração ficar pequenino no meu peito e que me fez soltar algumas lágrimas durante a leitura deste livro. Aquilo que nos parecia ser um livro sobre o amor, mostra-se ser uma história sobre violência doméstica e relações abusivas. É a história da mãe de Lily, de Lily e de tantas mulheres por esse mundo fora. E o mais incrível para mim, neste livro, foi que eu comecei a ler o livro exatamente com a mesma perspetiva e opinião que Lily tinha: "se eu estivesse numa relação e o meu namorado me batesse uma vez, que fosse, ia mandá-lo logo embora e nunca mais ia permitir que ele me pusesse a vista em cima". É a forma mais racional de olharmos para as coisas e de pensarmos sobre elas sem as vivermos na pele. Vivemos emaranhados nesta hipocrisia de que as coisas só acontecem aos outros e de que, se nos acontecesse a nós, nunca iríamos fazer o mesmo que elas fazem, nunca iríamos permanecer nessa relação abusiva como umas "fracas". 

Depois de ler este livro, eu (e a Lily) mudei a minha forma de ver as coisas, porque é demasiado fácil falarmos dos outros e dos problemas dos outros sem os sentirmos na nossa pele. Ao ler este livro, embrenhamo-nos na história de um casal aparentemente perfeito e que tem tudo para serem felizes juntos. Apaixonamo-nos por Ryle tal como Lily o faz. Ao primeiro "incidente", lemos o pedido de desculpas sincero dele e acreditamos piamente que foi um momento único, que nunca se repetirá (porque ele é diferente, pensamos nós). Ao segundo "incidente", a história de Ryle parece justificar as suas ações e ser a desculpa perfeita para Lily continuar naquele relacionamento. Afinal, ele ama-a mais do que tudo. Nós - as/os hipócritas que dizemos que sairíamos de um relacionamento abusivo ao primeiro sinal - desejamos que Lily o perdoe de todas vezes, até mesmo quando vai parar ao hospital por causa da pessoa por quem está perdidamente apaixonada. Só que quem magoa uma vez, magoa duas, magoa três... Não ama.

A minha opinião mudou, radicalmente. Não, não é fácil sair-se de um relacionamento abusivo com alguém por quem nos apaixonámos e que acreditámos ser a pessoa ideal para nós; não é fácil deixar um relacionamento em que somos maltratadas, mas em que nos momentos bons aquela pessoa nos dá todos os motivos que precisamos para ficar e para acreditar que somos amadas; não é fácil ser-se forte, corajosa e ousada quando nos sentimos reféns do amor que temos por aquela pessoa e quando o que mais queremos é acreditar nos seus pedidos de desculpa, acreditar que não vai voltar a acontecer. Por isto tudo... Deixemos de ser hipócritas e de dizer que, se fôssemos nós, íamos sair desse relacionamento ao primeiro "incidente". É preciso coragem e uma força de vontade muito grande para virarmos costas à pessoa que amamos e dizermos que acabou. Uma coragem que, sinceramente, eu não sei se tinha. Nem todas as mulheres têm essa coragem, por isso é que volta e meia aparecem tristes notícias no telejornal que ditam a morte de mais uma mulher por violência doméstica. É preciso uma coragem do tamanho do mundo para podermos dizer Isto Acaba Aqui





Este livro trata um assunto perfeitamente atual, do nosso quotidiano, pesado, de uma forma fantástica, porque nos faz embrenhar de tal modo na história que, inevitavelmente, sentimos que nós somos a Lily. Apesar disto, é um livro muito bonito. Porque vemos Lily crescer e tornar-se na mulher corajosa e ousada que a mãe vê como um orgulho e um exemplo de tudo aquilo que não foi capaz de ser. É um livro que nos faz rever os nossos conceitos, aquilo que afirmamos com toda a certeza e que nos faz "calçar os sapatos do outro" e perceber que, afinal, as coisas não são tão fáceis e lineares como nós as queremos fazer parecer.

O motivo pelo qual, um ano depois e num blogue diferente, vos quis trazer esta review foi porque esta leitura foi realmente avassaladora para mim, fez mossa, afetou-me mesmo. Peço desculpa pelos spoilers, pelo discurso que pode ter sido mais rude em alguns momentos e pelo facto de o post já ir longe, mas não conseguiria fazê-lo de outro modo. Livros destes, que mexem connosco, que nos revoltam, que nos causam um rebuliço cá dentro e que nos deixam a pensar são incríveis, são aqueles que realmente podem mudar a nossa vida.

Escusado será dizer que recomendo esta leitura, vivamente. Acho que é importante pormo-nos na pele da Lily, viver cada momento e assimilar tudo. Acho que este é um daqueles livros que toda a gente devia ler, pelo menos, uma vez na vida.

Espero que tenham gostado deste post e que tenha deixado alguém com curiosidade para ler!








2 comentários:

  1. Bem... este livro acho que deixa qualquer um a pensar na vida, na sociedade e naquele caso de uma amiga, ou vizinha que já passou por questões parecidas.
    Já li livros que me deixaram arrebatada, que me fizeram chorar, outros que me fizeram andar num tumulto de emoções entre o rir e o chorar! Esses são os bons livros, os que nos fazem sentir coisas, aqueles que lemos e ah é mais um que lemos. Esses não valem a pena...

    Beijos e abraços.
    Sandra C.
    Bluestrass

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sem dúvida, faz-nos mesmo pensar muito.
      Concordo plenamente com as tuas palavras!

      Muito obrigada e beijinhos

      Eliminar

Com tecnologia do Blogger.