"O Evangelho Segundo Jesus Cristo" | Review

outubro 05, 2022
Não sei se alguma vez expressei aqui, publicamente, o quanto gosto de Saramago. Este amor nasceu no 12ºano, com a leitura de O Ano da Morte de Ricardo Reis, e foi alimentado com todos os livros dele que já li desde então - O Memorial do Convento, As Pequenas Memórias, Ensaio Sobre a Cegueira e Ensaio Sobre a Lucidez. Para mim, há algo de absolutamente genial no tom crítico e irónico de Saramago, assim como na sua criatividade para escrever coisas, por vezes, tão distópicas. Admito que não é uma leitura fácil e, para mim, é uma leitura mais lenta e que exige que eu esteja completamente concentrada naquilo que estou a ler, mas é sempre uma leitura prazerosa. Como já não lia nada de Saramago há um tempo considerável, resolvi que seria este verão e assim foi.


O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, é talvez um dos mais polémicos livros do autor, uma vez que conta a história da vida de Jesus de acordo com a interpretação do autor. Saramago dá os seus próprios contornos à história do filho de Maria e de José, dando-lhe uma visão mais humana, tecendo sempre as suas críticas à sociedade da época e até mesmo à forma dogmática como olhamos para a religião, não fosse ele ateu. Uma vez que este livro recebeu palavras duras e foi considerado ofensivo pela comunidade católica, Saramago acabou por deixar Portugal após a sua publicação e ir viver para Lanzarote, até à sua morte.

Talvez por já não ler Saramago há bastante tempo, custou-me um bocadinho entrar no ritmo da história, mas assim que lhe apanhei o fio, foi muito fácil e interessante. Gostei muito que Saramago tivesse representado Jesus como uma pessoa completamente normal que foi escolhido para uma missão que não queria, sem ter tido um papel nessa decisão. Essa visão humanizada de Jesus permite que nos identifiquemos mais com ele, mostrando-nos não só a pessoa que realizou milagres e pregou a palavra de Deus, mas também uma pessoa com problemas familiares, que se apaixonou, que nem sempre estava contente com a sua vida e que nem sempre estava de acordo com tudo aquilo que tinha de fazer. Uma outra coisa que eu gostei muito foi a forma como Saramago realçou a forma como a sociedade funcionava naqueles tempos, a forma como a mulher tinha de ser totalmente submissa ao homem e como ele criticou isso à luz dos nossos tempos. 


Apesar de eu ser católica, este livro não foi de todo um choque para mim, porque acho que, cada vez mais, olhamos para a religião não como um dogma, mas como um fio condutor para a nossa vida, e cada vez mais temos de olhar para as coisas de uma forma metafórica e não literal. O facto de Saramago não ter feito de Deus um ser absolutamente perfeito e de o ter até aproximado do Diabo, não foi, de todo, algo que me tenha chocado ou ofendido (até achei muita piada), mas acredito que, à data da publicação deste livro, isto possa ter sido muito controverso e ofensivo para a Igreja Católica portuguesa, que ainda é feita de mentes muito fechadas.

Resumindo e concluindo, mais uma vez, Saramago não me desiludiu e eu gostei imenso deste livro. Acho que não entra para o meu top 3 de livros favoritos do Nobel, mas não deixa de ser uma excelente leitura que eu recomendo vivamente a todos os fãs do autor.

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